domingo, 28 de fevereiro de 2010

139 - Santana dos Olhos d’Água

ao mestre Moacy Cirne
que fez a provocação

Quando nasci
Menino meio torto
Deram-me de batismo
O couro curtido na pele
O manto alvejado da lua

A serra de encruzilhada
Disfarçada de caminhos
A face retirante do aboio
E uma voz a tanger-me
No deserto dos olhos d’água

sábado, 27 de fevereiro de 2010

138 - Prosa em avalanche

Tal qual pedra e carmim
Cumpri todos os destinos
Vaguei em vários corpos

Das moradas fiz portos
Ponteei nas encostas
E com flechas te idolatro

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

137 - Quem disse que não és pássaro?

para Lou Vilela

Palavras gorjeiam como asas,
Dão saltos, equilibram-se no alto
Vestem-me de plumas e metáforas
Abrem-se aos horizontes e espaços
Palavras não são laçadas ao acaso.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

136 - Poema de todos os quereres

Na foto que te fiz metade
Vazava um olho de abril.

O sereno vento da manhã
Enluarava de artifícios
o córrego de face a face.

Eu jurava rapsódias ao teu ouvido
e tu me esquecia com mãos e lábios.
Nunca fazia frio junto a ti.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

135 - A outra ponte

Vaguei entre o nada
e o impossível
e
não fiz atalhos,
mantive-me para ti
oh musa impassível

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

134 - Ao sabor das tuas ventanias

Nada resiste ao tempo
Nem aos teus inventos

Agorinha eras nuvem
Flor em pensamento

De repente me vens tonta
Orquestrada de mudança

Farta de calor mundano
E giras, bailas, danças...

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

133 - Poema de outro querer

Nunca quiseste o prado e a flor
Que eu te jurava na
Concupiscência das palavras

Açoitavas o destino com desdém
E lançavas chamas e lascívia
Nesta pele desbotada que secou

domingo, 21 de fevereiro de 2010

132 - Poema de breve eternidade

Úmida
a tua vinda em taça
sirvo-me de glória

Vivifico
em cada espaço
a boca que me cabe

e me perco
na intensidade
dessa vã eternidade

sábado, 20 de fevereiro de 2010

131 - Poema de um segundo querer

Lá pelo tempo das águas,
havia renascimentos,
a lua mostrava
a sua face de aurora
e tudo se esquecia
em doces bemóis.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

130 - Balada de tanto porvir VIII

(movimento final)

Vou me remir de impossíveis
Tecer a galeria dos inusitados
Compor metáforas descabidas

Talvez em meio a este tumulto
De coisas que se avolumam
E eu não consigo dar destino

Reste a névoa sem medida dos
Nossos desencontros furtivos
E calem as trevas do anoitecer

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

129 - Balada de tanto porvir VII

Vi do vento da tarde crescer
Esparramada, a estranha lua
Que brilha em tua face
- Sem mistério algum -

A não ser a minha obsessão
De fazer marés com este olhar

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

128 - Balada de tanto porvir VI

Dias inteiros a negar
Coração, alma, memória

Escandir os fios da teia
Nos meandros da areia

Despistar falsas iscas
Apascentadas em pranto

Enquanto o corpo quieto
Lança-me luzes e pisca

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

127 - Balada de tanto porvir V

De tantas carnes que me cortas
Correm desígnios que se enfileiram
Dão-me sal e sangue nestas veias

Rubras torres, faces de melancolia
Açoites que me tomam em maresia
Agudas garras que me tremem,
Ávidas, as mãos distantes.

A perplexidade que insiste e
Aflige o balido das alvoradas.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

126 - Balada de tanto porvir IV

Esqueço-me no sono
Em busca de sóis
No imaculado lábio
Da boca a se oferecer
Nesse riso de vertigem

Peço-te clamor, senhora
e elevo a voz em prece:
- Dá-me um raio e
um rasgo de plenitude.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

125 - Balada de tanto porvir III

Caminho para o muito longe
Nesse itinerário
Das distancias infindas

Onde palpitam solenes
As rubras oferendas
Desta áspera espera

sábado, 13 de fevereiro de 2010

124 - Balada de tanto porvir II

Contei vésperas
Até que surgisses
E incandescente
iluminasses
passos e travessias

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

123 - Balada de tanto porvir

Não cheguei cedo
Mas, vagavam restos
Da tua madrugada

O coração custava
A despertar
Quando você disse
As palavras

Pausadamente eu fui
E continuo, até conseguir
Decifrar o teu alfabeto

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

122 - Poema sujo de barro

Desde muito que te venho
E nada sei destas vindas
Que empalidecem este ser

Lido com estradas, estrumes
Condeno-me a vórtices
ao império das agruras

Tenho hábitos de soslaio
assistir gretas e grutas
Ser retirante e inquilino

Acalento postais febris
Dou destino ao desatino
E não findo neste infindo

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

121 - Quase uma canção de sentir

Embora desfaça em disfarces
Este estímulo de inventos
Que ora provocas, e brinques
A estampar ares de gentileza

Descerro os nós que me vestes
Para fazer colheita destes cheiros
E perder-me eterno e em desterro
No avental de avencas que ofereces

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

120 - Outra prosa de acalanto

Dispenso qualquer gravidade
Alço-me em vôo e pétalas
Pairo em asas e lábios
Sou o avesso de um sorriso
O que sibila sono e trovão
O que dissipa em preces
A rota fria dos cata-ventos

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

119 - Ode para jasmins e cristais

Só me resta esperar
O inútil cavalgar
Desta manhã luminosa

Há demasia nas cores
Há vertigem de fantasia

Quero antes o pálido e
O cinza do remoto sonho
E adormecer no jirau
Sem temer a eternidade

domingo, 7 de fevereiro de 2010

118 - Poema em dó maior sustenido

(para fagote e corn inglês)

Tenho mãos famintas
De bolinar formigas
E adornar estranhezas
Na face casta os olhos
São dois vaga-lumes
Que espreitam a
Mansidão das violetas

sábado, 6 de fevereiro de 2010

117 - Numa certa manhã

Numa certa manhã
Deste ano que desconheço
Divisei as pontes de então
Mas não tentei ultrapassá-las
- Como fiz até aquele dia -
Atirei-me na correnteza
Com a mesma calma do rio
E sem possível indagação

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

116 - Ode enternecida

Ao justo e precioso tempo
avançamos sem glória
aos pontos cardeais.

Vinhas de um remoto
pomar propõem brinde.
Ergo a taça:
somos vento e memória.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

115 - A quintessência do ar

Rogo,
solenemente,
sabores gentis
e ásperos

Rogo,
languidamente,
pecados senis
e tácitos

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

114 - Canção de embalar a alma

As muitas malas que carrego
São destroços destas caminhadas
Não me vem com peso
Estão içadas por altas alças
Não cansam de ilusão e
Carregam muitas fomes,
A sede e o deserto das horas
Carregam tanto o que não havia
Que não me cabe em recordação

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

113 - Poema para a senhora do sonho

Não me pergunte por que escrevo.
Escrevo para acalmar as horas,
Para aplacar as distâncias,
Para inundar a agonia da ausência.
Escrevo por um reles desconforto:
A minha alma quer fugir.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

112 - Ode para o gênesis

No princípio era o poema
Soluço que povoou imagem
Feito de um verso obtuso
Até que o enigma deformou

E se fez a poesia de cada dia
Metáfora sem ouro nem prata
Matéria do nada a engendrar
Vertigem, desterro, naufrágio