quarta-feira, 29 de agosto de 2012

1001 + 6 - Ária para alísios inquietos e súbitos do orvalho


Simplesmente porque amo
Inauguro sabores em tua face
Desenho a chuva nas vidraças
Caminho lento no dorso do orbe
E minhas mãos respiram tua voz
A nuvem talha a curva da cintura
E o lábio cinge o engano do vento

Simplesmente porque amo
Faço festa no perfume da terra
Cultivo a oferenda breve de nadas
E a minha morada é desassossego
Simplesmente porque amo
Os olhos já não me pertencem
Desfolho em vão os gomos do tempo

sábado, 25 de agosto de 2012

1001 + 5 - Ária para uma canção de amor e ruína


Nas dobras do rosto
Nos rasgos da mão
Na estranha obediência
Do pássaro em voo
Eu te amo
E não te amaria se
Não houvesse
Esta quimera da noite
Este soluço de estrela
O segredo da alvorada
A intimidade do sonho

Pois nada mais sei
E comungo a volúpia
Das perguntas inquietas
Que são toscas raízes
Na direção do invisível
Te amo como o cheiro
De um céu que não vejo
E te desenho atônito
No branco dos muros
E te busco no resíduo
Dessa linguagem inábil

*à guisa de um poema de amor para uso tópico

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

1001 + 4 - a explicação de pasárgada e outras ausências


porque me fizeste entre os olhos e alba
e na luminescência alva eu me inclinava
tudo era centro para desejo do coração

naquelas margens onde outrora vicejava
ela nadava solene em seus pensamentos
era tanto sol que lhe penteava os cabelos

porque havia este mistério no firmamento
porque havia a singela mão a se estender
como o teu hálito ao eflúvio das estações

p.s. porque há palavras que escrevo e apago

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

1001+ 3 - Antipoema para brisa marinha, oboé e céu imenso


(á guisa de um metaplagio de Mallarmé)

Já me partem os raios
Eu me despedaço
No cerne da palavra
Meu verso é virgem
Aurora, estrela, solitude
Dói-me o vário, a onda
A embriaguez do nada
Agora respiro a canção
Sou teu branco anseio
O derradeiro silêncio

p.s. “a carne é triste, sim,
e eu li todos os livros”


*porque há o ubíquo e o similar

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

1001+2 - Sonata para rubro amanhecimento


(primeira cantata em prelúdio)

Sob as canções descansaríamos
Imersos nesta vaga insone
Embebidos em rútilo devaneio
Porque ontem não nos sabíamos
Nada éramos em premissa
Sequer havia palavras a nomear
Nenhum verso nos seria capaz

Sob as canções descansaríamos
Neste inexequível horizonte
No inalcançável silêncio da nuvem
Porque ontem não nos sabíamos
Nada éramos em relâmpagos
Sequer havia as sílabas da carne
Nenhum verso nos vestiria a pele


*porque há caminhos que convergem

domingo, 5 de agosto de 2012

1001+1 - ensaio para o jardim dos versos que se bifurcam


a Jorge Luis Borges

que singular mistério terá sido este
cujo sonho é poço e pêndulo
laminas afiadas, tigres, labirintos

que estranha linhagem de chamas
são estes mapas, bússolas, rios
neste findar-se em lágrima e cristal

que rigorosa complexidade
terá traçado a linguagem, que
dela o acaso não pode prescindir

que infinito terá na areia e no livro
na catequese do espírito e da treva
neste duplo ausentar-se em sonho

que pródigo terá a sua Ítaca revisitada
os fios de Penélope a lhe dourarem
o semblante na confluência do ocaso

*porque este poema teria que estar aqui.