segunda-feira, 29 de outubro de 2012

1001 + 19 - Poema para a combustão de asas


Não te quero falar de saudades.
Há o mar e nele o infindável:
Horizontes, velas, descobertas.
Será assim. Aprendi a inflar o
instante. A admitir o cotidiano
como passatempo. Repara que
os girassóis tardios se ruflam.
A carne urge recompensa. As
mãos exaustas pedem a sorte
de muitas vontades. O coração
é esta flecha atormentada. Mas
com a eterna missão de futuro:
de estrela a luzir alvíssaras. As
fotografias nada recordam. São
a estética fria do desenlace. Os
medos, as frias madrugadas, as
intermitências da febre. Todos
os perigos se foram. Este lento
amanhecer ilumina meu rosto:
beija-me a verdade desta hora.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

1001 + 18 - Ensaio sobre o diálogo líquido dos peixes


Não me assusta o desconhecimento
Nada sei sobre o bóson de Higgs
Partícula de Deus, escala de Planck
Mas me trafega este frágil universo
Os fragmentos de todas as teorias
Experimentos sensoriais do plâncton

Não me assusta o desconhecimento
Nada sei da constituição da nuvem
Da evaporação das águas, convecção
Mas me encanta o ponto de orvalho
O arrefecimento que resulta em vapor
Os cristais de gelo e toda sublimação

Não me assusta o desconhecimento
Nada sei da neurobiologia da paixão
Dos estágios platônicos da dopamina
Mas carrego os reveses sutis da libido
A intimidade que reveste a ocitocina
A linguagem orgasmática deste vazio

terça-feira, 16 de outubro de 2012

1001 + 17 - auto de imposição para artefatos de atiçar imensidão


onde começa a tua ausência
se na pele não cabe distância
se palavras tem cheiro e olhos
e toda nuvem se condensa
num lampejo de súbito arrepio
onde começa a tua ausência
se me atravessa teu infinito
neste ebúrneo desassossego

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

1001 + 16 - primeiro estudo para recusa e remissão


eu não olhei nos teus olhos
quando me invadiu a madrugada
os cães latiam solitários
alguns bêbados eram sargaços
a única estrela era a escuridão
e eu caminhava trôpego em ti
teus seios bolinavam o âmago
como a flor incendiária da manhã
eu não conseguia te ascender

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

1001 + 15 - auto de elogio para lembranças do caos


lavadeiras do rio depõem roupas ao ocaso
eu ando em frangalhos, esmerilho nos pés
de areia, deserto e acaso é feito o caminho

lavadeiras do rio expõem migalha e anágua
eu sou o couro desse vazio, pele sem ninho
de seixo, pedra e mormaço: o brilho na cruz

a faca no olho, o minério, o susto no soslaio
as lavadeiras do rio suspiram o fiar da água
enquanto sonho cioso o caos dos girassóis