terça-feira, 31 de março de 2015

1001 + 91 - Uma elegia para rios de margens barrentas

I

eu teria começado em silêncio a meditação.
mas tu sabes que não há lugar no mundo
em que o ruído já não esteja instalado.
sofro de negativas intermitentes.
esse diagnóstico veio junto com a afasia,
caracterizada por longos circunlóquios 
e pelo uso excessivo de referências indefinidas
como "coisa" ou "aquilo".
são recorrentes: a síndrome de ménière e a
inflamação da escápula em dias frios.
de outra maneira circunda-me a ânsia
do desmedido, do inopinado, ainda que
tudo medre no circunspecto.

II

aos doze anos li todos os livros de hesse,
aos dezoito assisti vorazmente os filmes
de bunuel, aos trinta desisti de tudo
inclusive de mim, acho que por influência
do pássaro de bukowski.
assim, destituído de propósitos, só me
restou a literatura. não a grande literatura,
a alta literatura, mas essa coisa mesquinha
de escrever sobre vazios, rasgos,
solidão, angústias e ausências.
Ao mesmo tempo, os olhos cativam distâncias
E o peito soletra segredos.
Alguma coisa se bifurca entre os passos,
Quase sempre a respiração pede pausa
Os desaparecidos me fitam sem sobressalto
Tenho roupas para dias santos e feriados
Mas não comungo o uso de sapatos.

III

Em algum outro ponto da estrada sei que estás
E sei que as correntes amordaçam a língua
As flores ensandecem a primavera, zunem
Prefiro estações inconsequentes
Como aquela em que nos vimos em sorriso
Tu fumavas distraída, o vento insistia
E eu fui atraído pelo cheiro que emanavas
Entre goles, tragos e preciosos silêncios
Fomos nus descobrindo a pele e a amplidão
Havia infância em nossos destinos
Eu te sonhava em futuro de linguagem
Até exaurir as possibilidades de infinito

IV

Sofrer com as aliterações e pronominais
Alterar o curso de um verbo, desconjugar
Sim, o coração é este poço inconsequente
Adornam-me palavra e pele na fruição
da linguagem, vivo em situação de visgo
dos teus olhos me percorrem vertigens.

sexta-feira, 27 de março de 2015

1001 + 90 - Ária de silêncio para cinzas na atmosfera

Nada me conte sobre os anseios da noite
Da paisagem enfeitada de estrelas
Nem do sublime rumor do orvalho
Nada que incite alumbramentos

Hoje me acerca a ceia indefinida
Dos olhares esquálidos
Da falência da vida
Do barulho insistente dos insanos

Nada de quimeras nesta manhã de incêndio
Poderia estar em Madagascar ou Nairobi
A bordo de uma locomotiva ou avião
Mas em nenhum lugar estaria em liberdade

[Meu peito peja em ambiguidades]


terça-feira, 17 de março de 2015

1001 + 89 - a inevitável sagração do silêncio

o vento quente
algumas palavras no cais
a memória feito insônia
a atormentar as retinas
e eu tão sozinho
que nem o silêncio
podia me abraçar

segunda-feira, 16 de março de 2015

1001 + 88 - A ostra e a teoria do silêncio

As estrelas nascem do caos
A epifania do silêncio
O amor nasce do espanto
O poema nasce feito passarinho
Atordoado para voar